quinta-feira, 7 de março de 2013

No meio do caminho tinha uma estátua

Carla entrou no trem correndo, como sempre acontece, depois de levantar cedo, acordar os filhos, sair de casa com o marido para deixar as crianças na escola, quase cair ao atravessar a rua, subir escadas, revirar a bolsa por causa do vale-transporte, ignorar olhares intencionados e mal intencionados e subir escadas. Pronto, tudo isso em apenas um décimo do dia em que luta para ficar com os olhos meio abertos.

Cansada da rotina puxada, Carla percebeu que algo faltara a ela. Não era uma roupa, uma casa, um emprego: era apenas alguns momentos de descanso. Naquele dia, resolveu que precisava de uma dose de coragem e disse a si mesma: "hoje, vou me dar 24 horas de liberdade!". Então resolveu não descer no ponto em que normalmente descia. Ela estava livre, não existiam pontos que a pudessem deter. Carla não sabia aonde ia, mas tinha certeza que chegaria a algum lugar.

Logo que chegou na Princesa Isabel, Carla passou as mãos no cabelo, arrumou a barra da saia, puxou a corda e desceu do ônibus na metade do caminho, bem distante do trabalho. O trajeto da Penha ao Leblon, normalmente duas horas de seu dia, foi encurtado. Carla começou a caminhar do Leme em direção ao Posto 6. Depois de quase uma hora de caminhada, puxou uma pasta da bolsa, colocou sobre o banco e ficou olhando para o rosto imóvel do Drummond.

Ali pensou sobre poesia, arte e várias coisas das quais gostava, mas que tinham se perdido no tempo e nas obrigações. Mas aquele dia não era o momento de pensar em obrigações, afinal era um dia de liberdade. Carla resolveu tirar os sapatos e caminhar na areia da praia. Foi até o mar e as águas frias de Copacabana molhavam delicadamente os seus pés. Naquela hora, Carla percebeu que a felicidade estava em coisas simples e que às vezes, para sermos felizes, precisamos pensar um pouco em nós.

No meio dos pensamentos, o celular tocou. Era o chefe. Carla atendeu pensando na resposta que daria ao choque de realidade. Afinal, as obrigações sempre batem a porta até mesmo dos libertos. As 24 horas teriam de ficar para trás e se resumir nas ultimas duas, mas quem se importa com o tempo? Carla estava livre de dentro pra fora.

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