sábado, 4 de junho de 2011

Papo de Oficina

Roberto marcou de sair com sua noiva Luísa. Os dois combinaram de passar o dia juntos, mas não decidiram o que iam fazer exatamente. O encontro ficou assim indefinido porque ele queria apenas uma oportunidade de passear com o carro consertado. 

Luísa ficou um pouco chateada com a falta de iniciativa do noivo para decidir entre os programas de sempre, ou seja, cinema, restaurante, praia ou motel, mas acabou deixando para lá. Os dois mal conseguem se ver. Roberto trabalha fora da cidade e só tem uma folga semanal.

Romantica que é, Luísa sempre espera ansiosa para encontrar Roberto depois de uma semana cansativa, e silenciosamente também espera um sinal de entusiasmo de Roberto. Mas hoje seria diferente, pensou Luisa. Apesar de ter um pessimismo sobre planos para encontrar Roberto, já que ele nunca decidia nada, deixava tudo por conta de Luísa. 'Hoje será diferente!', repetiu. 

Já faz algum tempo, uma pulga atrás da orelha da jovem faz com que ela se pergunte sobre a razão de estar com Roberto. Ultimamente os pensamentos mais comuns na cabeça de Luísa são 'ele liga mais para o carro do que para mim?' e 'como vai ser isso quando eu deixar de ser bonita?'.
 
Roberto, é claro, não ligava para isso. Carro consertado, dia de folga, uma noiva gostosa. Isso tudo ficava repetindo na cabeça dele como um mantra. E nem dá para saber se a ordem dos pensamentos tem algo a ver com ordem de importância. No entanto, Roberto não deveria demonstrar tanta tranquilidade. Ele ainda não sabia de uma coisa. 

A sua rotina de trabalho fez com que ele se distanciasse da Luísa, mas não apenas fisicamente. Quando ele deixou o carro para consertar perto da casa da Luísa, não pensou em como isso estragaria sua folga e seu noivado. O mecânico, apesar de novo na oficina, é antigo morador do bairro. Sabe como é, Luísa passando as semanas sozinhas, passando todos os dias em frente à oficina e o Zé Maurício lá, todo dia de olho nela.

Na véspera do encontro dos noivos, por coincidência, Roberto acabou deixando o carro na oficina do Zé Maurício. Depois de explicar o problema do carro, o mecânico começou a prestar atenção na vida do cliente. Noiva que mora aqui perto, uma semana longe, é isso mesmo. Ele é que tá pegando aquela loira do prédio aqui do lado. Então, para estragar o encontro dos dois, ele não fez o serviço completo, velho costume dos mecânicos, mas dessa vez por um motivo mais do que particular.

No dia seguinte, o resultado. Manchete em todos os jornais. Carro capota e casal morre na Brasil. Zé nem ficou sabendo, mas sentiu uma falta de ver a loira todos os dias. 

Mais tarde, enquanto lia a manchete nos jornais da banca, Zé Maurício não parou um minuto sequer para pensar se fora egoísta ou invejoso. Agiu, como agem os impetuosos, justificando sua atitude, um tanto macabra, um tanto necessária. Tampouco ficou a se vangloriar em silêncio ao ouvir o burburinho dos comentários dos passantes ante a gravidade do acidente que vitimou o jovem casal. Cada um dos comentários tecia uma nova história de vida diferente para aquele casal, dando conta de uma paixão, que ao cabo dos anos, nem existia mais.

Zé Maurício pediu um exemplar do jornal, retirou-se rapidamente rumo à oficina mecânica e lá pôs-se a ler a notícia com seus óculos tortos sobre a face, saboreando café com leite e pão com manteiga, afinal, para ele, era apenas o começo de mais um dia com notícias ruins no jornal.


Hoje o conto foi produzido com a ajuda do Vinícius, que já colaborou uma vez, da Camila Karina, jornalista, pianista e poeta, e Roberta Fraga, blogueira e escritora, durante a oficina de produção de textos para Internet na UFRJ. A oficina faz parte do ArteFórum. Vale a pena conferir a programação e, se não der tempo de assistir, esperar uma próxima edição.

Confiram os ótimos blogs da Roberta, da Camila, do Vinícius.

2 comentários:

  1. Acrescentei mais dois parágrafos à aventura. Agora, onde eu posto, aqui nos comentários?

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  2. Edu:

    Vou publicar amanhã. Vê se segura um pouco a entrega do livro. QUal vai ser o deadline?

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