quinta-feira, 5 de maio de 2011

Criatividade


Ela não conseguia dormir, pegava a caneta e o papel e escrevia
desesperadamente, procurava passar a limpo em linhas tortas os sentimentos
já esquecidos. Era difícil, não impossível. A estranheza dos parentes ao
observarem o cotidiano peculiar da moça cuja criatividade deveria ser
considerada como o seu maior talento agora não era a mesma.

Olheiras profundas e feição tristonha tornaram-se parte dela, o rosto
envelhecido não lhe fazia justiça, a face havia mudado em tão pouco tempo, e
nada mais se via da moça bela e sorridente que todos elogiavam tanto.

E o pior dos acontecimentos surgiu-lhe num dia chuvoso e cinzento, sua
editora resolveu ligar bem cedo e dizer com palavras rudes que ela não
precisava mais de seus serviços. A pobre e cansada moça não era mais
necessária. Atualmente, ela só era vista como peso morto para aquela mulher
que antes se jogava aos seus pés.

E ela se jogava mesmo. Afinal, Melina tinha entrado na empresa em um
momento complicado. Atarefada, a editora fazia de tudo para que não
tivesse que fazer muito em relação a ela. A rotina de trabalho que corria
normalmente e com até vários momentos de alegria foi ficando cinza, que
nem o dia da Melina. Ela não sabia que aquele acontecimento mudaria
a relação dela com a chefe, com a família, amigos, namorado, enfim,
transformaria tudo.

Um dia, enquanto voltava para a casa, Melina recebeu uma estranha
mensagem de texto, de Alexandra, sua ex-chefe, chamando-a para um
café. Melina estranhou a atitude, uma vez que Alexandra nunca foi uma
pessoa muito sociável, principalmente com seus funcionários. Enfim,
ignorou a estranheza do contato e resolveu aceitar; talvez pudesse ser uma
oportunidade para voltar a trabalhar para editora.

No local do encontro, estava Alexandra sentada. Ela vestia um terno cinza
e exibia um sorriso sarcástico. Melina observou-a; estranhou novamente a
postura da ex-chefe. Sentou-se junto a ela, pediram um café e perguntou a
razão do encontro.

Alexandra a observou por alguns instantes e, após um momento de suspense
calculado, ofereceu de volta a antiga vaga de Melina. A moça mal acreditou
no que estava ouvindo, porque a relação das duas sempre fora difícil. Em
contrapartida, sabia que apesar do convívio complexo, Alexandra certamente
sentia falta da competência de Melina. O sarcasmo no sorriso, interpretado por
Melina, era na verdade constrangimento causado pelo arrependimento. Mas
agora não havia como voltar atrás. Melina estava livre para criar. Chegara o
momento de gerar sua própria história, não seria mais apenas a condutora de
fábulas alheias.

O conto de hoje teve a participação da Renata Costa, minha colega de trabalho, revisora e dona do blog Palavralida. Lá você pode ler as opiniões sobre os mais variados livros que ela devora.

3 comentários:

  1. Uau! Fazia um tempão que eu não passava por aqui. Adorei o conto, pois trata de um dos meus temas favoritos. O que gera o fazer poético. ;D

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